Estratégia e Tática - Advocacia, Pintura & Xadrez

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Estratégia e Tática

XADREZ


Estratégia e tática estão fortemente conectadas. Lances estratégicos seriam aqueles baseados em regras e princípios posicionais teóricos, como as manobras para melhorar a disposição das peças, etc.; o restante, como uma combinação ou um sacrifício que requerem um preciso cálculo de variantes, seria constituído predominantemente de lances táticos.

“Existem dois tipos de posição, disso resultando duas diferentes espécies de luta. No primeiro caso, temos um constante conflito de peças em complicados padrões, com tempestades táticas, ciladas, lances muitas vezes inesperados e avassaladores. No outro caso, isso é muito diferente. As armas respectivas permanecem à distância uma da outra, as batalhas estão restritas ao reconhecimento e pequenas incursões na posição inimiga. A investida do lado atacante é preparada lentamente com a ajuda do reagrupamento de peça e pequenos avanços de peão. Chamamos as posições do primeiro tipo de combinativas-táticas e do segundo tipo de estratégicas ("manoeuvring-estrategical")” – Alexander Kotov, Play Like a Grandmaster, Batsford, Londres, 1978, p. 14).

Veja meus comentários na partida jogada em 20/01/2013 entre Magnus Carlsen e Sergey Karjakin (Tata Steel),  
onde procuro apontar fases com predominância de manobras estratégicas e aquelas com características combinativas-táticas.


Qualidades do Enxadrista  


Assim como os músicos devem possuir atributos pessoais específicos (v.g., penso que uma pessoa desafinada e sem ritmo nunca será um grande músico), também o enxadrista deve ter qualidades especiais. Para Mikhail Botvinnik (Entrevista com Alexander Münninghoff, 1984, republicada em 2009 em New in Chess, "The first 25 Years", 2009, p. 11 e seguintes), o jogador de xadrez necessita ser capaz de combinar em síntese quatro qualidades para atingir o topo: talento, boa saúde, caráter e preparação (no original: "The chess player needs to be able to combine four qualities into a sythesis to reach the top: talent, good health, character and preparation" ).

Alexander Kotov (citado livro "Play Like a Grandmaster",  p. 9 e seguintes), menciona qualidades e, em seguida, sintetiza os três pilares da maestria em xadrez:

"A fim de se tornar um jogador da classe de um grande mestre, cujo entendimento de xadrez é superior ao de milhares de jogadores comuns, ele deve desenvolver um grande número de qualidades, aquelas de um artista, de prático calculista e de um frio e calmo competidor. ... De todas as qualidades de maestria em xadrez, três se destacam, como no antigo mito de que o mundo está apoiado em três pilares. Os três pilares da maestria do xadrez são julgamento posicional, um olho para combinações e a habilidade de analisar variantes.  Somente quando domina perfeitamente esses três pontos pode um jogador entender a posição no tabuleiro na frente dele, examinar possibilidades ocultas e trabalhar todas as variantes necessárias."

Diferente é a posição de Viktor Moskalenko ("Revoluciona tu Ajedrez", em três volumes, Ediciones Robinbook, Barcelona, 2010, p. 11 do primeiro volume):

"As habilidades de um jogador de xadrez podem ser divididas em três categorias: (1) conhecimento geral do xadrez, habilidades pessoais e traços de caráter; (2) capacidade de avaliar integralmente qualquer posição, o que pressupõe algo mais que o simples conhecimento da estratégia e da tática; (3) uma boa compreensão das propriedades das peças, peões e das casas (do tabuleiro). Se alguém pretende ser um jogador completo, não pode prescindir de nenhuma dessas três categorias. Elas devem estar na base de qualquer sistema de xadrez e, com efeito, estão na base e fundamento deste livro."

Força, Espaço e Tempo

Força, Espaço e Tempo são os três fatores básicos da partida de xadrez, de acordo com Siegbert Tarrash (1862-1934) em seu clássico livro "The Game of Chess".

Segundo ele, cada um desses três fatores pode ser transformado em outro. Alguém pode sacrificar Força, por exemplo um peão, a fim de ganhar um Tempo ou, ainda, para abrir uma linha, para ganhar Espaço. Geralmente, quando se ganha um peão, isto ocorre ao custo de um ou mais tempos (aumento de Força, perda de Tempo, Tempo transformado em Força). Esses três fatores mudam um no outro, sem clara separação,  em diferentes posições e fases da partida (abertura, meio jogo, final). A sistemática utilização do Espaço (ou disposição das peças) seria o mais importante fator numa partida de Xadrez. Com certos limites, é ainda mais importante que a Força (que a igualdade ou mesmo a superioridade em material). Muitas vezes uma vitória é obtida porque um jogador obtém uma decisiva vantagem com o sacrifício de material.

"These three factors of the game, Force, Space and Time, work together at every move. … The whole art of the opening consists in bringing into action pieces which are at first shut in, in freeing pieces by a very few pawn moves, and getting them in favorable positions and that as quickly as possible. Each tempo must be fully used for development. The pieces are better developed in order of value. First the pawns, or at least one pawn, then the minor (knights and bishops) and, finally, the major pieces (queen and rooks). … At the same time, of course, notice must be taken of the opponent's every attack and threat, and every mistake he makes must be utilized to the full. … The ideal to be aimed at is attack with development or defense with development. We can combine with the development of the pieces, always the most important object to keep in view, the aim of gaining command of the center, of occupying it with one or even more pawns. The attack is, in itself, an advantage. Always keep the initiative for yourself and, therefore, whenever possible, decline gambits.The middle game is the chess in excelsis, the most beautiful part of the game, in which a lively imagination can exercise itself most fully and creatively in conjuring up magnificent combinations… Here, the essential for the student is to play over and study again and again what he has learned until it becomes part of his very self. Then he will always be able to find the signpost, the familiar type, as pinning, double attacks, unguarded pieces, destruction of a guard, imprisonment of piece, etc… If by capture or exchanges most of the pieces have been removed from the board, the endgame is reached. Here the problem is either to force a mate by means of superiority in force or to queen a pawn and thus gain this decisive superiority. … In the opening and in the middle game the king, the most important of the pieces, must be protected; however,  in most of all endgames the king plays an active role. … Naturally, it is simpler to concern oneself with a few pieces than with 32  and the student by so doing will acquire a clearer conception of their powers" (Tarrasch).

No que se refere a Força ou material, não é demais discorrer sobre

O valor das peças:


Na abertura, uma peça menor (Bispo ou Cavalo) pode ser aproximadamente igual a três peões, uma Torre igual a cinco, uma Dama igual a nove. No final, uma Torre, uma peça menor e um peão passado na sexta linha podem ser mais fortes que a Dama. O Bispo é geralmente mais forte que o Cavalo ao longo de toda a partida. Mas existem posições em que o Cavalo é mais forte que o Bispo ou mesmo uma Torre. No final, existem posições em que um peão é mais forte que um Cavalo, etc.

No início da partida,  cada lance deve, sempre que possível, ser utilizado para desenvolvimento das peças, o real objetivo da abertura.

Avaliação posicional e planejamento


Kotov organizou seu citado livro Play Like a Grandmaster em quarto partes, com exemplos e exercícios, sob os títulos (1) julgamento posicional, (2) planejamento, (3) visão de combinações  e (4) cálculo e prática. Trechos selecionados das duas primeiras partes, em tradução livre:

...

O jogador que deseja melhorar, que quer vencer em jogo competitivo, deve desenvolver sua habilidade de avaliar posições, base para formular planos para o que vem a seguir.
...
As ...regras de Steinitz:

Substituo aqui o texto com as quatro regras transcritas por Kotov por outro de 6 regras, como posto no Manual de Ajedrez de  Emanuel Lasker (1868-1941), transcrição de Moskalenko, obra citada, p. 15:

1. Em xadrez, só ganha quem ataca.
2. O direito de atacar está à disposição do jogador que tem a melhor posição.
3. O lado com a vantagem (branco ou negro) não só tem o direito, senão o dever de atacar, do contrário corre o risco de perder sua vantagem.
4. O defensor deve estar preparado para defender e fazer concessões.
5. Os meios de ataque no xadrez são dois: combinativo e estratégico.
6. O ataque deve ser dirigido contra o ponto mais débil do oponente.

Kotov continua:

...
A escola Russa, embora reconhecendo a importância dos ensinamentos de Steinitz e a utilidade de suas regras,  sempre favorece uma concreta abordagem  voltada para o julgamento posicional com o devido descortínio de seus aspectos dinâmicos.
...
Recomendamos que o julgamento posicional seja feito em regra considerando um restrito número de elementos grupados. Segue um grupo de elementos que tem sido provado ser mais útil na prática:

1. Fraquezas de casas e peões.
2. Linhas abertas.
3. Centro e espaço.
4. Posição das peças (incluindo fatores como posição do rei, desenvolvimento, harmonia da posição e má colocação de uma peça).

Assim, na prática, devemos considerar somente estes quatro grupos, com o alerta de que se verificado outro elemento, digamos o par de bispos, então acrescentamos isso em nossa avaliação.
...
A Mente de um Grande Mestre

Chegou o momento de lidar com a questão de quando um grande mestre realiza sua análise e avaliação da posição, e como este processo toma lugar em sua mente. O primeiro momento crucial é normalmente quando chegamos ao fim da abertura e início do meio jogo. Depois que foi jogada uma variante teórica, ou quando as peças foram mobilizadas de acordo com nossas próprias idéias, chega o tempo para a primeira avaliação geral. É neste ponto que um grande mestre gasta grande parte do tempo, já que é daqui que todo o futuro curso da partida pode ser mapeado. Recomendamos que neste ponto toda a posição seja considerada a partir do exame dos elementos e de sua influência no jogo.

A principal questão a responder é quem está melhor. Obviamente, como visto nas regras de Steinitz, o jogador com a melhor posição terá de atacar e o lado inferior terá que se defender.  Então deve ser estabelecido onde está o ponto mais fraco do inimigo, já que este é o lugar para onde será dirigido nosso ataque. Em seguida é tempo de formular um plano para alguns próximos lances, com o que lidaremos mais tarde.  Com tais problemas resolvidos, o grande mestre então normalmente começa a análise de variantes concretas, sua profundidade dependendo da natureza da posição.

Existem outros momentos também quando será necessária uma avaliação geral: na transição do meio jogo   para o final, ou quando terminam os turbilhões combinacionais. Em tais momentos a posição tem de ser vista novamente e uma nova avaliação formada.

Recomendamos que você tente dividir o tempo de jogo em “meu tempo” e “o tempo do oponente” e seguir a regra de ouro de que quando seu relógio está andando, você deve restringir-se a analisar variantes, enquanto que quando o relógio do oponente está funcionando, você considere questões gerais relativas à avaliação geral da posição e à formulação de planos.

É claro que existem exceções, se for o caso de uma batalha tática com uma linha principal que deve ser provada profundamente. Existem aqueles grandes mestres que gostam de caminhar em volta quando não é seu turno de dar o lance. Claro, também, que existe a complicação de que o “meu tempo” é controlado por mim, enquanto que não tenho nenhum controle sobre quão longo ou curto será o tempo que o oponente pensará com seu relógio andando. Assim, poderá ocorrer que considerações gerais tenham que ser feitas profundamente durante “meu tempo”, especialmente se você joga contra o jogador rápido. Mas tente seguir a regra acima. Vá através de variantes
detalhadas em seu próprio tempo e cedo notará que ficará menos vezes em apuro de tempo, que suas partidas terão melhor conteúdo e que surgirão os padrões gerais das posições.

...
Tipos de Planos

Uma vez feito julgamento da posição, os objetivos de cada lado tornam-se mais claros. O jogador entenderá o que deve fazer nos próximos lances, que manobras deve fazer e quando, que reagrupamento é necessário. Em resumo, estamos agora na fase de planejamento.


A natureza da posição sugerirá a espécie de processos que  serão necessários. Se existe uma posição tática, então faremos normalmente uma formulação como “devo atacar na ala do Rei” ou “devo detonar a cadeia de peões do oponente a qualquer custo”. Então se volta para análises mais detalhadas de variantes concretas. Se temos uma posição de manobras estratégicas, então as variantes concretas são reduzidas a um mínimo e a ênfase é colocada em detalhar um plano tanto como seja possível.


Uma regra absoluta pode ser já estabelecida: é impossível jogar bem xadrez sem um plano. Existem afirmações no xadrez como “um plano sólido nos transforma em heróis, a ausência de um plano em idiotas”. Outra é: “é melhor um mau   que nenhum plano”. Ainda outra: “o jogador que perderá é aquele sem um plano; é melhor ter um esboço ou mesmo um plano defeituoso que simplesmente efetuar lances não sabendo o que você está fazendo”.

Xadrez Dinâmico

VALERI BEIM
(Cómo Jugar Ajedrez Dinámico, Editorial La Casa del Ajedrez, Madri, 2004, p. 7 e seguintes) dividiu seu livro em capítulos titulados (1) Dinâmica, (2) Desenvolvimento, (3) ..., (4) Ruptura e (5) Iniciativa, assim conceituando cada título (em tradução livre):

"Os elementos estáticos ... incluem a distribuição do material, a presença no tabuleiro de um determinado contingente de peças e, o que é mais importante, a disposição dos peões, com toda uma oscilação em termos de casas fortes e débeis, debilidades de peões e outras. Deve entender-se por dinâmica a capacidade, sobretudo, que têm peças e peões de evoluir sobre o tabuleiro. ... Disso se deduz que, ao avaliar uma posição, devemos ter em conta os fatores dinâmicos e estáticos. Que um deles prevaleça dependerá de detalhes concretos. ... Explorar uma vantagem dinâmica requer uma ação decidida e sem demora. ... Os fatores estáticos e dinâmicos não existem no tabuleiro de uma forma pura. Em geral estão estreitamente interconectados. ... Em xadrez existem poucas verdades absolutas. Quase tudo é relativo em xadrez, e o valor de cada elemento individual numa posição depende exclusivamente da forma pela qual interage com outros fatores.
...
Começaremos pelo princípio elementar, de todos conhecido, que nos fala da importância de desenvolver as peças na abertura. Com frequência se encontrará um forte e experimentado jogador que esquece esse princípio no calor da luta, quando trata de resolver os problemas específicos de uma posição dada. ... O castigo por esse tipo de aberração costuma resultar penoso e normalmente se produz por meios dinâmicos, isto é, por parte das móveis peças contrárias, desenvolvidas de forma agressiva, qualidade essa que entra na esfera da dinâmica. ... Uma questão muito importante é não só quantas unidades foram desenvolvidas, mas onde foram jogadas e o que estão fazendo ali. Em outras palavras, a qualidade do desenvolvimento é tão importante quanto a quantidade.
...
O propósito de uma ruptura é incrementar a mobilidade e a cooperação das próprias forças.
...
Possuir a iniciativa significa ser capaz de criar ameaças mais rapidamente que o oponente, cujo objetivo costuma ser impedir as atividades do adversário, tanto defensivas quanto agressivas. ... Podemos já ver que o conceito da iniciativa está vinculado, de forma necessária, ao de tempo e rapidez."

Moskalenko (obra citada, p.15/16) refere-se ao “Mi Sistema”, livro lançado em 1925 de Aaron Nimzowitsch (1886-1935), considerado uma revolução no mundo do xadrez, onde o autor teria avançado sobre os segredos das peças, dos peões e de casas do tabuleiro, propondo como elementos da estratégia do xadrez: o centro; jogar em colunas abertas; jogar nas sétimas e oitavas linhas; peões passados; a “clavada”; xeque descoberto; troca; a cadeia de peões. Afirma que Nimzowitsch também “investigou sobre as possibilidades teóricas e práticas do xadrez dinâmico”.

Na  p. 35 e seguintes lembra que Wilhelm Steinitz (1836-1900) foi o pai da escola ortodoxa posicional e que "seus sucessores, Lasker, Capablanca,  Alekhine e Euwe encontraram novos elementos com sua prática, e com isso nosso jogo se tornou mais rico e dinâmico, preparando-se para a nova era Botvinnik. Na década dos anos trinta, num breve período de tempo, os jogadores da época clássica praticamente desapareceram. Criou-se a Escola Soviética; o xadrez dogmático foi-se para sempre e apareceu um novo estilo pragmático com os sistemas do patriarca Mikhail Moiseyevich Botvinnik. Havia chegado uma nova geração de fortes e bem preparados jogadores de xadrez. ... Este xadrez pragmático considera as normas do xadrez clássico de uma forma mais dinâmica. As vantagens podem mudar durante a partida, ou podem ser anuladas por uma posição do rei em perigo, ou pelo fator que até agora havia sido descuidado nos trabalhos teóricos: tempo. Este fator dinâmico deve ser incluído em qualquer sistema de xadrez, se queremos chamá-lo concludente." Então o autor apresenta seu "esforço de criar um sistema para dissecar qualquer posição de acordo com as 'Cinco Chaves':

1. Material
2. Desenvolvimento
3. Colocação e/ou disposição de peças e peões
4. Posição do Rei
5. Tempo".


O xadrez de hoje

Hoje, na era da informação e dos computadores, as antigas regras clássicas ou teóricas mantêm algum significado, mas com importância relativa. A ênfase tem sido dada a que os lances devem resultar de análises concretas das posições e não de regras ou princípios teóricos. Segundo John Watson, em "Estrategia Ajedrecística en Acción" (Editorial La Casa del Ajedrez, Madri, 2003, p.13), esse fenômeno não é algo novo. Cita RÉTI, que, já no começo dos anos 20, dizia que "A fonte dos maiores erros reside naquelas jogadas que se realizam segundo as regras e que não se baseiam no plano individual ou no pensamento do jogador" e MIKHAIL TCHIGORINE (1850-1908), que em sua época já afirmava:

"Não me considero pertencente a esta ou aquela escola. Não me guio por abstratas considerações teóricas, sobre a força relativa das peças, etc., senão pelos dados que se me apresentam à vista em cada posição da partida, que me servem como objeto de uma detalhada e precisa análise. Cada um de meus lances constitui em si mesmo uma inferência de uma série de variantes, em que os 'princípios do jogo' só podem ter um significado muito limitado. ... A capacidade de combinar habilmente, de descobrir em cada posição uma jogada mais efetiva, que conduza à execução  de um plano bem concebido, é superior a qualquer princípio, ou, dizendo mais corretamente, é o único princípio na partida de xadrez que se presta a uma definição exata".





 
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